quarta-feira, 3 de março de 2010

Porque cresce o ensino privado?

Políticas dos Governos e desrespeito pela lei têm contribuído para a proliferação de operadores privados em Educação
As políticas seguidas por diversos governos, tanto do PS como do PSD, têm contribuído para um crescimento acentuado do ensino privado, com prejuízo para o público. Se dúvidas existissem, bastaria olhar para o Orçamento de Estado para 2010, rubrica da Educação. Enquanto, no global, esta tem uma actualização de 0,8%, o ensino privado cresce 4,8% em relação ao ano anterior.
Isto acontece num dos países da OCDE em que a presença do privado na Educação é já das mais elevadas. Segundo um relatório divulgado em meados de 2009, em Portugal, o ensino privado tem um peso de 8,5% no 1.º Ciclo do Ensino Básico (2,9% na OCDE), de 5,5% no 3.º Ciclo do Ensino Básico (3% na OCDE) e de 13,5% no Ensino Secundário (5,3% na OCDE). Só no México, Japão e em alguns graus de ensino nos Estados Unidos da América, segundo este relatório internacional, é que Portugal é ultrapassado no que respeita ao peso do ensino privado.
Que ganhou o nosso país com este desvio de dinheiros públicos para os operadores privados em Educação? Nada! Os problemas de sucesso, de abandono e de qualificação não se resolveram, apenas se depauperou mais o ensino público.
Este peso do privado tem aumentado por diversas razões:
- Porque não há rigor no cumprimento da lei, no que respeita à verificação dos critérios de elegibilidade para efeitos de financiamento;
- Por haver pouca transparência na gestão dos dinheiros públicos por parte das empresas privadas de educação, como se confirmou pela instauração, há mais de uma década, de inúmeros processos disciplinares, a este propósito, cujo resultado nunca foi conhecido;
- Porque a desvalorização da Escola Pública, por parte de sucessivos governos, tem impedido que estas levem por diante projectos importantíssimos para a sua afirmação, geralmente devido a sub-financiamento ou à impossibilidade de contarem com recursos acrescidos, tendo em conta as suas reais necessidades, na medida em que as políticas centralizadoras do ME se sobrepõem à autonomia das escolas e dos seus órgãos de gestão;
- Pela ausência de uma política pública de requalificação do parque escolar. No Ensino Secundário cresce a entrega dos edifícios a uma empresa que, não tarda, mandará nas escolas, num primeiro passo que tenderá, a prazo, à alienação de património do Estado; nos 2.º e 3.º Ciclos é a ausência de qualquer política de requalificação, limitando-se o governo a transferir essa responsabilidade, sem recursos, para os municípios;
- Porque os colégios privados têm a possibilidade de desenvolver iniciativas que as escolas públicas estão impedidas, nomeadamente no âmbito da designada componente de apoio às famílias, em que se incluem as actividades de ocupação de tempos livres das crianças e jovens. As escolas públicas estão sujeitas a respostas insuficientes, tanto no que respeita a horários, como à qualidade de algumas actividades existentes, em que relevam as AEC para alunos do 1.º Ciclo;
- Porque em muitos aspectos concretos, sucessivos governos têm adoptado medidas que vão precisamente no sentido de reforçar as respostas privadas, designadamente através de processos de municipalização que acabam por levar à privatização, através da contratualização de serviços ou à manutenção de um peso extraordinariamente elevado do ensino privado em sectores como a Educação Pré-Escolar, o Ensino Profissional ou o Ensino Superior. Nos restantes sectores, por se fecharem os olhos às regras legalmente estabelecidas. Estas determinam que o ensino privado tem um carácter supletivo ao definirem que o financiamento dos colégios, no âmbito dos “contratos de associação”, apenas poderá ocorrer quando num raio de 4 quilómetros não existir uma escola pública ou, existindo, se esta se encontrar sobrelotada.
UM EXEMPLO CONCRETO
Exemplo de favorecimento do ensino privado – onde muitos profissionais docentes e não docentes continuam a não ver cumprida a lei no que concerne a salários, horários de trabalho e demais direitos laborais – é o que acontece na região centro do país, uma das mais afectadas por esta situação:
- No concelho de Coimbra, apesar de as escolas públicas existentes responderem satisfatoriamente ao número de crianças e jovens, há uma dezena de colégios que sobre ele actuam, sendo financiados pelo Estado através de contrato de associação;
- No conjunto dos seis distritos da região centro (Coimbra, Leiria, Aveiro, Viseu, Guarda e Castelo Branco), no que respeita ao financiamento, entre 2006 e 2008 os colégios privados passaram de um total de 87.602.546 de euros para 91.615.021 de euros;
- Nesta região, o Estado Português gasta por mês 8,3 Milhões de euros com o ensino privado, sem contar com o ensino profissional, as AEC e a Acção Social Escolar. Ou seja, uma despesa que faz sair dos cofres públicos, todos os dias, uma média de 274 mil euros;
- Segundo os últimos dados publicados em Diário da República, a situação agravou-se em 2009, pois, só nesse período, os colégios da região arrecadaram mais de 46,5 Milhões de euros, um valor record: superior em 11,4% ao do mesmo período de 2008. Tendo em conta que, no segundo semestre, o financiamento aumenta sempre, quando se conheceram os dados referentes a todo o ano passado saberemos que terá sido ultrapassada a barreira dos 100 Milhões.
A FENPROF E A DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA
Para a FENPROF, os problemas da Educação não se solucionam com a prestação de favores pelo Estado ao ensino privado. Este deverá sujeitar-se às regras legais que vigoram – e com as quais a FENPROF concorda – cabendo ao Estado fiscalizar a organização pedagógica, o funcionamento, as relações laborais estabelecidas e a atribuição e gestão dos dinheiros públicos, bem como avaliar a qualidade das respostas educativa e social. É que não são os “rankings de escolas” elaborados com base nos resultados dos alunos em exames nacionais, que provam qualquer diferença na qualidade do ensino, pelo contrário, apenas confirmam que a Escola Pública é quem, recebendo todos os alunos e vivendo uma situação de crescente sub-financiamento, consegue dar a melhor resposta. De resto, estes rankings têm sido utilizados com o objectivo único de, enganando os incautos, promover os operadores privados em Educação.
A grande aposta de futuro deverá ser feita no ensino público e na Escola Pública! É isso que a FENPROF exige e a Constituição da República Portuguesa impõe.
Só uma Escola Pública, Democrática, de Qualidade, Inclusiva e para Todos e Todas cumprirá o desígnio constitucional que sucessivos governos, com as suas políticas de desinvestimento, têm vindo a desrespeitar.
Preocupada com esta situação, a FENPROF decidiu centrar o debate, a realizar no seu décimo Congresso, precisamente na necessidade de afirmação e reforço da Escola Pública, quer em relação à necessidade de valorização dos seus profissionais docentes, como em muitos outros aspectos que contribuirão para que se alcance este desiderato. Após a realização deste Congresso (Montemor-o-Novo, 23 e 24 de Abril de 2010) a FENPROF estará ainda mais apetrechada para continuar a sua acção, juntamente com outros parceiros educativos, em defesa da Escola Pública Portuguesa.
O Secretariado Nacional da FENPROF2/03/2010

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